Posts da madrugada

Solteira sim, sozinha sempre

Aqui estamos, caros leitores: eu, uma garrafa de água com gás e meu ventilador apontado pras costas, madrugada adentro.

E hoje em dia quero soliloquar (GASTEI, HEIN) sobre as pessoas que namoram, esses seres alienígenas que convivem comigo diariamente, mas que guardam diversos segredos inatingíveis para pessoas, como eu, que se identificam um pouco demais com a imagem ao lado.

Como solteira há mais de dois anos, sem qualquer tipo de relacionamento exceto por um ou dois amores platônicos (acho que dois), da minha perspectiva os namorados tem acesso a algum tipo de felicidade que pra mim é simplesmente impossível de acessar. Não sei qual dos fatores tem um apelo maior: o sexo regular e muito bom (em longos relacionamentos, o casal se conhece bem e sabe o que o outro gosta, em tese), a segurança de aceitação sobre qualquer circunstância, o apoio incondicional naqueles dias ruins em que o ônibus atrasa, reclamam de você no trabalho e seu chefe é mais burro que você. E tem também o sexo.

Não que solteiros não façam sexo, ou que não façam quando bem quiserem. O que eu quero dizer é diferente: não só vai ser bom, como se não tiver sexo nenhum, dormir junto vai ser muito bom. Ver filme ruim também. Olhar o 9gag até ter que recorrer à página do vote também. O conforto dessa situação é totalmente diferente da tal da adrenalina dos one night stands.

Então, como todos os meus amigos mais próximos (quase) estão em relacionamentos de longa data, não só eu acabo ficando com preguiça de frequentar ambientes de solteiros “pra caçar” como acabo ficando com esse imaginário idealizado do solteiro, que só lembra dos namoros pelas suas coisas boas.

Esse é o ponto número um.

O dois: conheço umas três pessoas, pelo menos, que consistentemente pulam de namoro em namoro, com intervalos de um mês ou dois entre um relacionamento e outro, sendo que ela nunca passa muito tempo sozinha. Essas namoradoras profissionais (conheço mais homens que mulheres que aderem à prática) me rodeiam desde que sou adolescente. Eu achava que eu não era assim porque não era bonita, olha que bobagem. Que bom que a gente cresce, né?

Quando eu decidi falar sobre isso, eu tinha planejado falar do modo menos impositivo possível, mas afinal de contas, eu estarei mentindo se disser que eu aprecio esse tipo de atitude. As pessoas que conheço e aderem a essa necessidade de estar em um relacionamento, ao meu ver que pode perfeitamente estar errado, são mais fracas.

Pronto falei. Julguei, generalizei, fiz tudo que sempre prego contra. Me denunciem na safernet.

Existe vício em romance? Eu não sei se é pra mim que isso é mais ofensivo, porque sempre tento (e falho em) pagar de durona, de independente, etc. Talvez. Mas sempre que eu conheço essa pessoa, e num espaço de cinco anos ela não passou mais de dois meses solteira tendo estado, digamos, em três relacionamentos, eu acabo abstraindo que essa pessoa é fraca e dependente. Que a vida dela vive sendo desviada pra assuntos bobos relacionados com namoros jovens e que duram até seis meses, sempre desgastantes e sempre responsáveis por repercussões negativas em estudos e trabalho. Sob a minha perspectiva, eu acabo vendo essas pessoas namoradeiras como instáveis, nada confiáveis e ligeiramente necessitadas de atenção.

É claro que você pode pegar tudo que eu escrevi aqui e fazer outro texto sobre como a gente joga valores e preconceitos numa pessoa segundos depois de conhecê-la num bar, se ela te disser: “Eu namoro bastante, nunca fico sozinha”.

Ficar sozinho tem seus prazeres. É uma vida de menos adrenalina, mas não é como se conhecer um namorado pra mim seja uma mera questão de vestir algo bonito e sair. Não é qualquer pessoa que é namorável. Na verdade, quase ninguém é! Eu sempre me choco com o número de casais existentes, porque conhecer alguém que te atraia, que você atraia, que tenha interesses em comum e ao mesmo tempo tensão sexual, horários compatíveis, idéias políticas que não sejam dissonantes (isso pra mim é importante), etc, etc, etc é um evento tão raro que não deveria acontecer nunca!

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A Vergonha Hetero

Apesar desse assunto me dar bastante raiva, hoje eu quero fazer um post bastante didático, porque se eu não escrever vou acabar tendo que ir dormir e tal.

Desde que o mais novo absurdo da sociedade brasileira veio à tona, muita gente tenta defender o tal projeto sobre o dia do “orgulho hetero”, os trolls da internet ganharam mais esse alimento para atacarem blogs de esquerda e de minorias sociais. Por mais que os trolls ocasionalmente me intriguem, eu quero começar falando da forma mais simplista que eu puder sobre datas comemorativas.

Há vários motivos para os diferentes feriados ao longo do calendário brasileiro. O mais comum é o motivo religioso; mais especificamente, os feriados da igreja católica, que ainda que perca fiéis todos os dias para o ateísmo, o espiritismo e as seitas pentecostais, continua sendo a maior força religiosa do país. Esses feriados não são votados em lei; meio que estiveram sempre lá e nem quem não é religioso reclama porque, afinal de contas, é um final de semana prolongado. A mídia sempre aborda esses feriados, ano após ano, da mesma forma: passam todos os filmes de Jesus já feitos, colocam decorações nos seus programas para donas de casa, e no fim do ano a Globo liga pro Roberto Carlos.

Existem outros feriados, os comerciais: dia dos pais, das mães, das crianças, dos namorados – claro que dá pra colocar a Páscoa e o Natal nessa conta, mas vocês sabem do que eu estou falando: dias sem nenhum motivo relevante pra sociedade atual, que dificilmente podem ser chamados de celebrações, porque quando chegam só se ouve uma reclamação enlouquecida sobre dinheiro gasto com presentes (e com motel, no caso do dia dos namorados). Nesses feriados, a mídia cai em cima mais com propaganda. Perfumes, brinquedos, roupas, jóias, etc, etc.

Na terceira categoria que vou marcar aqui vou colocar os feriados novos, nos quais não tem nenhuma paralisação em trabalho ou mesmo na programação de filmes da tv. Temos aí o dia do índio, dia da consciência negra, dia de combate à aids, dia da mulher (que é explorado pelo mercado, também), etc. etc. A disseminação desses feriados tem dois mecanismos: nas agendas escolares, e na matéria de fundo do jornal local sobre a minoria representada naquele dia.

Essa terceira categoria não envolve presentes, não envolve nem mesmo algo alegre. Essas datas estão aí pra nos lembrar de coisas ruins. Pra nos lembrar da situação encurralada dos índios no Brasil, pro constante tratamento diferente que negros recebem na nossa sociedade, etc. etc. São feriados criados para tentar preservar a memória da população e para causar reflexão sobre alguns temas. Essa reflexão, por sua vez, teria mais dificuldade de ser internalizada se não fosse revisitada todos os anos – porque envolve as dificuldades ou a tragédia de um grupo ou indivíduo que de alguma forma represente uma minoria na sociedade.

Vale lembrar que quando falamos em minoria, não estamos falando de números absolutos. Afinal, os negros e pardos são mais numerosos no Brasil, assim como (se não me engano) temos mais mulheres do que homens. Essa disparidade que permite que chamemos grupos como negros e mulheres de minorias está relacionada ao seu alcance político, econômico e social.

Não existe motivo para que separemos datas no nosso ano já bem apertado para os segmentos que já tem seus interesses representados em 95% dos telejornais. Não existe motivo racional para um dia da consciência heterossexual simplesmente porque todas as instituições possíveis e imagináveis pensam primeiro no hetero. Ele é maioria. Ele tem todos os dias do ano já de começo.

Aqui eu vou inserir um pequeno causo. A certa altura do meu intercâmbio eu comprei uma bandeira do Brasil e deixei no meu quarto. Contei o caso animada, e uma espanhola me contou sobre como eles tem pouco ou nenhum apego à bandeira da Espanha, pelo que aconteceu durante a era Franco e também porque não existia, na opinião dela, uma identidade nacional espanhola. O mesmo valia para o hino. Um inglês me disse que eles tinham sérios problemas pra se afirmarem como nação, não porque não tivessem um sentimento de unidade, mas porque muitos achavam difícil se orgulhar de um país que massacrou e dominou tantos outros povos no desespero cego de continuar sendo uma hegemonia. Quando tanta gente foi assassinada sob uma determinada bandeira, fica difícil ter orgulho dela.

Agora vamos transferir esse raciocínio do inglês. Digamos que você olhe no espelho e diga pra si mesmo: eu sou branco/a. Sinceramente, que tipo de pensamentos vêm à sua cabeça? Vou aqui fazer um brainstorm pessoal, já que pros nossos padrões, eu tenho pele branca (lembrando que essas tonalidades são relativas dependendo do lugar).

Quando penso que sou branca, imediatamente me lembro que o mundo me trata melhor do que muita gente. Claro que isso faz a minha vida boa, mas como pensar que sou tratada “melhor” sem me lembrar de que existe alguém na outra ponta dessa comparação? Como sentir orgulho de ser branca sendo que pessoas com a mesma identidade racial minha durante milênios escravizaram e assassinaram pessoas que tinham outras opções de vida? A atitude dos brancos através da história com outras etnias pra mim é resumível na carta de Pero Vaz de Caminha. Ele fala algo parecido com “mas acredito que os selvagens sejam dóceis e completamente vazios. Não parecem ter nenhum conhecimento de deus e nenhuma cultura. Não teremos problemas para catequisá-los.” Os brancos sempre partiram do pressuposto que, porque outras etnias não tinham a mesma cultura, isso era sinal de que não tinham nenhuma.

Isso sem nem mencionar o evento histórico mais citado da vida: o nazismo. Como ter orgulho de ser branco? Não dá. No máximo a gente consegue concluir que não teve nenhum poder de escolha sobre o fato de ter nascido branco.

Assim como ninguém escolhe nascer negro, gay, mulher, índio, pobre… Mas mesmo sem ninguém ter feito nenhuma escolha, o branco tem inúmeras vantagens procurando emprego, tendo acesso à educação, só pra não dar exemplos demais.

Fica a lição de casa. É só dizer em voz alta: “eu sou heterossexual”. O que te passa pela cabeça?

Hoje em dia, eu sinto vergonha.