É possível que alguém tenha opiniões demais?
Antes que você me diga que isso é uma pegadinha, porque parece, mantenha a calma. Sei bem que só de discutir o fato de que “opiniões demais” existem, já estaremos sendo muito paradoxais. Mas vamos tentar ignorar um dos dois únicos traços estilísticos da minha escrita nesse blog (o outro é falta de planejamento de texto).
Esse problema é muito comum nas humanas. A verdade é que nós nunca queremos estar errados. Nós nos damos bem com as palavras, e não nos cansamos de usá-las, mesmo que seja em situações nas quais elas são inúteis, repetitivas ou redundantes. Na verdade, esse traço de personalidade é que o nos faz perceber que pertencemos a essa área, antes mesmo de fazer o vestibular. Enquanto os professores de Geografia, de História e de Literatura insistentemente nos dizem pra questionar o que está em torno da gente, pra sempre suspeitar das fontes de informação, aprender a fazer as perguntas certas, é bem verdade que pouca gente acaba carregando isso. No caso particular dos alunos da UFMG, as pessoas que acabam criando esse vício em crítica e dissecação de argumentos acaba indo pra FALE, pra FAFICH e alguns pro IGC.
Mas a verdade é, opinião demais às vezes é uma coisa que enche o saco. Eu e meus amigos mais próximos temos esse problema. Ninguém nunca está errado. Nunca. Mesmo se eu quiser comprar um sutiã preto e a Aline achar melhor eu comprar um, sei lá, azul. Quem ouve conversas entre seres como nós deve pensar que estamos tentando salvar alguém do corredor da morte.
Eu não me lembro sempre de fazer isso, mas às vezes, em conversas, eu apenas me sento, apoiada no encosto – outro traço dos que tem opinião pra tudo: quem se inclina pra frente, põe os cotovelos na mesa de bar, pode ser um de nós – , respirando fundo. Sabe por quê? Às vezes é impossível conseguir uma brecha de meio segundo pra começar sua frase. É engraçado como o processo de turn-taking, essa coisa de quem fala depois de quem, pode ficar complicada quando seres das humanas estão discutindo algum assunto. Todos nós, veja bem, todos nós temos uma perspectiva. Mesmo se não tivermos opinião formada, vamos dizer: “Ah, mas uma vez alguém me disse que achava isso assim e assim”, só pra contribuir pra conversa e tentar validar (ou não) aquela opinião que você conhece, mas ainda não sabe se concorda. Às vezes nós ficamos bravos uns com os outros, porque não nos deixamos falar.
Estar errado é… ARGH! Impensável.
E olha que até agora eu apenas me ative a conversas de bar. Quando você está lidando com seres que compartilham o seu funcionamento, mas não são seus amigos… Ah, aí é guerra. Em discussões em sala de aula. Quando alguém com dificuldades cognitivas (momento eufemismo) ergue a mão numa aula de literatura inglesa e diz: “I think it’s ironic…”, em discussões políticas. Em reuniões! Nós nos sentimos compelidos a fazer algum pronunciamento. Mesmo que não seja a melhor opinião na mesa, queremos por tudo que ela não seja a pior.
Eu, particularmente, tenho esse sintoma agravado porque tenho problemas com ansiedade. Problemas sérios. Tá, não tão sérios. Mas digamos que eu PRECISO ser a primeira pessoa a entrar num ônibus, então quando ele se aproxima, eu faço mil contas e me posiciono sempre de forma que as portas abram bem na minha frente. Não consigo atrasar, me sinto mal, é quase físico. Quando tenho que acordar cedo pra um compromisso, como trabalhar, eu não durmo, porque minha cabeça continua a mil na escuridão, calculando todas as possibilidades de eu dormir demais e me atrasar, ou de tudo dar errado. Quando vou viajar, compro passagens com antecedência que varia entre dois meses a uma semana, mesmo quando há muitos voos, ou ônibus. É doentio.
Resumindo, pra gente é ainda mais difícil. Existem forças, plural, em ação para que você tente por tudo estar certo. Estar certo é uma droga. Deixa você preso numa nuvem de conforto, felicidade e arrogância, pra poder rir das opiniões ridículas dos outros. É um lado negro nosso.
Nas redes sociais, somos facilmente identificáveis. Na verdade, nas redes sociais um olhar aguçado pode até detectar gradações do vício. Sabe aquelas pessoas que sempre estão entrando em grandes argumentos? Que sempre estão em uma polêmica, mais ou menos entre a segunda ou terceira página do seu news feed? Gente que posta comentários com dois, três parágrafos, quando qualquer pessoa sã simplesmente pensa consigo mesma, “tl;dr”? Pois é. Somos alvos frequentes de trolls.
Agora, essa é particularmente pra quem compartilha desse meu problema: crianças, isso é desgastante. Respirem fundo. Tomem mais dois goles de cerveja, ponham as pernas pra cima. NÃO responda a trolls. Não responda a qualquer pessoa. Conheço gente que passa horas inteiras pesquisando perfis online de desafetos e entrando no tipo de discussão que eu acabei de descrever no parágrafo acima. Isso envelhece, viu? Eu sei que fomos treinados pra fazer isso por anos. Nós debatemos em sala de aula. Somos treinados durante a graduação e todos os níveis da pós pra criar teses que não tenham falhas. Mas pelamor, uma discussão sobre o se o estilo do Neymar é ridículo não precisa desse tipo de entusiasmo. Tenhamos calma.