Continuando com a sequência iniciada ontem: hoje assisti Harry Potter e a Câmara Secreta, a adaptação do segundo livro da série de mesmo título.
Igual ontem, eu quero começar falando do tema, e depois de alguns personagens introduzidos na trama. Na verdade o foco do livro é na questão existencial. Harry passa todo o seu segundo ano descobrindo que ele tem mais semelhanças com seu arqui inimigo Voldemort do que ele gostaria; ao longo do tempo ele descobre que eles compartilham o dom de falar com cobras, e quando a suspeita de toda a escola cai sobre ele a respeito dos ataques a alunos, ele se pergunta se realmente o Chapéu Seletor teria feito a coisa certa selecionando-o para a Grifinória, e não para a Sonserina como o Chapéu argumentou na ocasião.
No filme esse questionamento é meio diluído porque Columbus resolveu encaixar o máximo de sequências de ação nas duas horas de filme que ele podia: carros voadores, bolos flutuantes,pó de flu, quadribol, poção polissuco, clube de duelos… No meio de toda essa confusão, você esquece que Harry está meio perdido consigo mesmo.
No fim das contas, o tema mais focado pelo filme passa a ser a discriminação e o preconceito. E não é porque eu sempre blogo sobre isso, não! J.K. finalmente nos mostra que uma das características essenciais dos tempos em que Voldemort era poderoso era a caça aos bruxos que descendiam de trouxas ou que de alguma forma não tinham todos os seus parentes bruxos. Isso inclui, nós veremos mais pra frente, outras espécies, como lobisomens e gigantes. A maioria dos teóricos atribui com certa exatidão essa atitude de Voldemort a um paralelo da Segunda Guerra Mundial e da perseguição a judeus, comunistas, homossexuais, entre outros. No filme o tema vem à tona quando Draco chama Hermione de “sangue ruim”, um palavrão horrível na sociedade bruxa, referente a filhos de trouxas. Imediatamente Ron reage e tenta atacar Malfoy pra defender sua donzela ofendida, mas como nada dá certo quando a gente é adolescente, seu feitiço sai pela culatra e ele recebe todo o efeito.
Com relação a personagens, não dá pra falar da Câmara Secreta sem falar do Dobby. O elfo doméstico é a primeira centelha revolucionária da série; escravidão é a melhor definição de toda a espécie dele, mas ele descobre que havia um plano que seria executado em Hogwarts naquele ano. Sendo assim ele foge de sua família e vai atrás de Harry, fazendo tudo que pode para proteger o menino e evitar que ele volte à escola. Aí já dá pra enxergar o status simbólico da vida de Harry pro mundo bruxo; mesmo antes de que isso se confirme, existe um acordo silencioso de que enquanto ele estiver vivo, Voldemort seria incapaz de voltar.
O problema é que suas estratégias de salvamento não são nada ortodoxas; ele esconde as cartas do menino, joga um bolo na cabeça das visitas de seus tios, enfeitiça um balaço pra quebrá-lo todo no quadribol, etc etc. Seu esforço é tal que, quando no final do filme Harry consegue libertar Dobby de sua escravidão num ato de esperteza, a única coisa que ele exige em retorno é que Dobby nunca mais tente salvar a sua vida. Depois de assistir o filme sete parte um, realmente todas as cenas com a presença do Dobby ganham um carinho renovado. Como não se emocionar quando ele segura a meia, ergue as orelhinhas e diz: “Dobby is… free!”
Bom, mas livre de quem? Livre do segundo personagem que merece destaque neste post: Lucius (ou Lúcio) Malfoy, pai de Draco. Pra quem geralmente vive mais focado na segunda metade da série, é engraçado se lembrar de quando a família Malfoy estava por cima da carne seca. Ricos e influentes politicamente, Lucius até mesmo consegue coagir o conselho a suspender Dumbledore. Eu inclusive lamento muito que sua primeira cena no filme tenha sofrido um corte injusto: na cena da Floreios e Borrões, quando ele troca farpas com Arthur Weasley, pai de Ron, este chega a perder a paciência e parte pra cima de Malfoy. É lindo, eles saem na porrada em plena livraria! Na verdade, ele é construído nesse filme como bem aparavorante. Mais apavorante do que Snape, absolvido depois do erro de julgamento no fim do primeiro filme, que neste segundo nos diverte muito com suas sugestões para piorar a vida de Harry. E, claro, pra algumas pessoas como eu, cumprindo o papel de professor mais sexy de Hogwarts.
*limpando a garganta*
Voltando ao Lucius, já que estamos reclamando de detalhes a respeito dele na adaptação, eu acho um disparate terem colocado ele pra tentar matar o Harry no fim do segundo filme. Naquela altura, J.K. Rowling nem havia nos apresentado à Maldição da Morte, Avada Kedavra. O feitiço é na verdade introduzido no quarto livro, que por acaso havia sido lançado no final de 2001, um ano antes do lançamento deste filme. O caso é que ele fica furioso com Harry por ter lhe causado a perda de Dobby, ergue a varinha e começa “Avada…” quando Dobby o interrompe com sua próxima fala (que eu sempre falo junto com ele…) “You shall not harm Harry Potter!”. Oras. Mas o que ele pretendia? Matar Harry do lado de fora do escritório de Dumbledore? Depois de todo um livro sendo o político dissimulado, ele vai abertamente tentar matar um moleque sabendo que não está no poder dele? Que vergonha, hein, roteirista?
Ah sim, e neste filme nós temos a primeira cena assumidamente Ron/Hermione: uma vez curada da petrificação, na cena final Hermione retorna ao Salão Principal, onde abraça Harry e congela quando chega a vez de abraçar Ron. Os dois se olham, morrendo de vergonha, dão um passo pra trás cada, e apertam as mãos. Eu ainda me lembro do tempo das guerras de ships quando os torcedores iludidos de Harry/Hermione honestamente interpretavam aquilo como nojo ou desgosto. Oh, é bom estar certo de vez em quando…
Bem, a adaptação de amanhã, o Prisioneiro de Azkaban, é a que eu mais detesto, já lhes adianto isso. Mas veremos o motivo. Até lá!