Antes de mais nada, eu queria deixar claro o motivo de eu não admitir o título desse filme em português: é o mesmo motivo de esse filme ser, pra mim, a segunda pior adaptação da série. Half Blood, traduzido como mestiço, dá a entender na série que a pessoa é filha de trouxas e de bruxos, de ascendência mista. Prince seria obviamente traduzido como Príncipe, mas bem, então porque não traduzir apenas como “O Príncipe Mestiço”? Bom, porque nada nesse título é óbvio.
Como Snape afirma sem maiores detalhes ou explicações no fim desse filme, ele próprio é o Half Blood Prince. Os leitores sabem que, na verdade, o nome de solteira de sua mãe, Eileen, é Prince. Agora, por que ele ia querer se chamar pelo sobrenome da mãe? Pra encurtar a história, o pai de Snape era um monstro. Simples assim. Aterrorizante e violento. Quando Severus descobre seu talento para poções, ele faz a analogia de ser o príncipe das poções. Como sua mãe não vem de uma família mágica, eis que ele é mestiço magicamente! Não só é um bruxo “mestiço”, como, claro, metade de seu sangue seria da família da mãe, os Prince.
Vamos deixar combinado a partir desse ponto que esse título da J.K. Rowling é um puta desafio de traduzir? OK, vamos em frente.
Harry Potter and the Half Blood Prince foi lançado em 2009, também dirigido por David Yates. Porém… Steve Kloves está de volta. Quais as consequências imediatas disso? Bem… Ron entra mudo e sai calado do filme, ou só ganha falas “engraçadas” ou “estúpidas”. Hermione fala todas as coisas que lhe cabem e todas as falas sérias, preocupadas, etc etc de seu futuro marido. Kloves nunca lidou bem com o fato de que Ron fica com Hermione; como resultado, temos cenas completamente desnecessárias, como a extensão da cena dos canários, em que Hermione chora nos ombros de Harry e pergunta como é que ele se sentia quando via Gina com Dean Thomas – sim, porque DE REPENTE Harry está apaixonado por Gina! O desastre continua: nós temos cenas com Ginny usando só um roupão, e abaixando-se de forma tão bizarra pra amarrar o cadarço de Harry que eu sinceramente pensei na sala de cinema que ela ia pagar um boquete. Sério. Toda a sala de cinema, a julgar pelos gritos, achou a mesma coisa. Ela magicamente aparece no time de quadribol, já que, como ela entra no livro cinco como substituta do Harry, ninguém entende nada. Aliás, a segunda cena do filme é o maior disparate possível: Harry está lendo o Profeta Diário numa estação de trem e de repente começa a flertar com a garçonete, que por algum motivo fica super atiradinha com um moleque igual ele. Explicações? Por favor?
A aparatação de Dumbledore, em frente a um anúncio pra perfume “Do some magic to your man”, ou qualquer coisa assim, é bem engraçada, em compensação. O filme tem muitos momentos engraçados, a seu favor. Boa parte deles envolve o novo professor de Poções, Horace Slughorn. Ele está presente quando Ron toma uma poção do amor que era pra ter sido tomada por Harry, seguido de um envenenamento que era pra ser de Dumbledore. Não dá pra não rir quando Ron acorda e diz “these girls… they’re gonna kill me!”. Ou na cena hilária em que Harry toma a poção da sorte, Felix Felicis, e não só fica com uma voz rouca de Darth Vader, mas também age feito bêbado. Daniel: clap clap clap!
Vocês podem perceber que quando eu não gosto muito do filme o post tende a ser menor (vide o de ontem, que não acabava nunca).
O começo, o comecinho mesmo do filme, na verdade é muito bom. Gostei da amarração com o filme anterior, pegando diretamente das fotos de Harry e Dumbledore, ainda no Ministério da Magia – dá uma noção de continuidade, especialmente pro fã oportunista que só leva o namorado no cinema e fica esperando o Harry pegar a Hermione (uma vez guerreiro de ship, pra sempre um guerreiro de ship. Vou tentar me controlar). Em seguida, várias imagens de Londres cobrem o trajeto dos Comensais da Morte até Olivaras, o vendedor de varinhas mágicas – isso e a revelação de que o Beco Diagonal fica logo virando a esquina de Leicester Square station, atrás da Trafalgar Square. Eu sou contra, porque aquela área é posh e cheia de gente chata indo a boates chatas. Finalmente, a ponte destruída por Voldemort, no livro a Brockdale, transforma-se na Millenium Bridge, que liga o Tate Modern à St. Paul’s Cathedral. Pra mim é particularmente divertido ver essa sequência inicial.
Enfim! O tema desse livro é o passado de Voldemort. Durante todo o ano, Dumbledore enche Harry de algumas das lembranças de sua penseira a respeito de Voldemort. Nós descobrimos que ele cresceu num orfanato, e já era uma criança bem assustadora (o ator para o jovem Riddle, infelizmente, não é o mesmo de Câmara Secreta), entre outras coisas. Inclusive, enquanto eu lia o livro pela primeira vez eu ficava bem entediada. O filme não se detém muito no assunto, apenas nas tentativas vergonhosas de Harry pra coagir Slughorn a lhe ceder a memória que era crucial para descobrir a estratégia de Voldemort.
Ele não morre porque sua alma foi dividida em sete partes, através de assassinatos. Quando Harry finalmente convence Slughorn, usando de um papo mole sobre sua mãe, uma das alunas favoritas dele (com uma história de aquário, peixe, que não procede no livro), nós descobrimos que Slughorn foi quem acabou involuntariamente dando a idéia de usar Horcruxes para buscar a imortalidade, sobre a máscara do “puramente acadêmico”.
O personagem de hoje está na série desde a Pedra Filosofal, mas o desespero de Harry em segui-lo o filme todo o coloca em evidência, para no fim do filme nós termos uma surpresa sobre sua personalidade. Draco Malfoy tem no sexto ano a missão de matar Dumbledore. Parece loucura, não é? Como sua mãe diz, ele é só um menino! E um mimado, ainda por cima! Bem, quem se lembra do quinto filme sabe que Lucius, seu pai, pisou feio no tomate. Não só não recuperou a profecia que Voldemort tanto desejava, como também apanhou razoavelmente de um bando de adolescentes, acabando em Azkaban. Voldemort se vingou usando o que é mais precioso pra ele: seu filho.
Draco fica num beco sem saída. Ele é realmente covarde demais pra matar qualquer pessoa, que dirá Dumbledore! Logo de cara ele sabe que está encrencado, ainda que mostre para seus amigos que tem um grande segredo e planos maiores e maiores expectativas do que eles. Suas tentativas, como diz o próprio Dumbledore, são tão patéticas que é difícil de acreditar que ele realmente quisesse matar o diretor de Hogwarts. Draco se isola e vive em conflito, porque se não der um jeito de matar o velho, ele sabe que Voldemort mataria ele e sua família. Se tem uma coisa que você precisa saber sobre os Malfoys, é que eles são uma família pequena que se ama muito. Eles traem, trapaceiam, roubam, mas Lucius, Narcissa e Draco são muito apegados.
Ele chega a ser gravemente ferido por Harry num “duelo”. Draco está de tal forma num beco sem saída que só dá pra sentir pena. Do começo ao fim. Ele desarma Dumbledore, mas não consegue matá-lo. É aí que entra Snape.
Depois de seis filmes, o expectador (assim como o leitor, quando o livro foi lançado) já aprendeu a confiar em Snape. Ele é esquisito, assustador, até já foi um Comensal da Morte, mas voltou para o lado de Dumbledore (o expectador não sabe que Snape é diretamente responsável por Voldemort ter resolvido ir atrás dos Potter, e que ele se arrepende profundamente, por motivos explorados no livro sete e no filme que eu vou ver domingo e boa parte de vocês já viu), mas ele sempre ajudou quando necessário: salvou Harry no primeiro ano, protegeu o trio no terceiro, avisou a Ordem que Harry achava que Sirius estava preso no Ministério… Ele vai resolver a situação agora, né? Ele vai se sacrificar, não vai cumprir o Voto Perpétuo, mas vai dar um fim nos Comensais antes…
Aí ele vai lá e mata o Dumbledore.
Enquanto os Comensais fogem de Hogwarts, Harry tenta atacá-lo, mas Snape o ignora, até que Harry o chama de covarde. A frase mais épica de Snape, que então se volta e releva sua identidade a ele, é então cunhada: “Don’t call me a coward“.
Depois do que minha amiga Melissa chama de “cena de show do Coldplay”, na qual por algum motivo TODA Hogwarts está acordada e encarando o cadáver de Dumbledore, eles erguem a varinhas com a ponta iluminada. Gina, que até o fim desse livro era namorada de Harry (me desculpem não demonstrar nenhum interesse nessa parte), o abraça enquanto ele chora sobre o corpo. Nada de cena do enterro, nada de túmulo branco, NADA DE LAMENTO DA FÊNIX. Por quê?? O filme já estava com duas horas e meia, dois minutos a mais iam matar quem?
Essa parte da história instiga mais perguntas do que responde. Como Snape pode ter matado Dumbledore? Será que ele morreu mesmo? Na época até surgiu um site, dumbledoreisnotdead.com. Essa morte, mais um recurso narrativo clássico das sagas de herói, é muito simbólica. Agora Harry está mesmo sozinho. Sem orientação, sem dicas, sem proteção, vai ter que encontrar as horcruxes que restam e destruí-las. A morte do velho sábio é recorrente em histórias do gênero e, muitos dizem, necessária para o amadurecimento do herói.
Sei que acabei falando mais do livro do que do filme, mas deixemos pra amanhã a parte que eu tinha reservado nesse post para Snape. Até amanhã, no último dia dessa minha maratona bloguística, com Relíquias da Morte, Parte Um!